Disfunções Miccionais em Doenças Neurológicas



As disfunções miccionais decorrentes de lesões neurológicas estão relacionadas a alterações de função do detrusor, esfíncter externo e/ou associações. Em uma classificação topográfica, as lesões neurológicas podem ser divididas em suprapontinas, medulares e subsacrais (cauda eqüina e nervos periféricos).

As lesões suprapontinas desencadeiam, caracteristicamente, hiperatividade detrusora devido aos danos dos centros cerebrais inibitórios. Há um funcionamento sinérgico do detrusor e esfíncter externo da uretra, levando à incontinência de urgência. No entanto, podemos encontrar, ocasionalmente, contrações voluntárias do esfíncter externo com a tentativa de se evitar a incontinência (pseudodissinergia) e situações de espasticidade do assoalho pélvico (Doença de Parkinson). Nestas situações, observaremos hiperatividade detrusora neurogênica associada à dificuldade miccional e altas pressões vesicais).

Entre as causas de lesões suprapontinas temos as várias formas de acidente vascular cerebral. Nestes pacientes, desenvolvese, em um número significativo de casos, uma fase de arreflexia ("choque cerebral"), que será substituída, após algumas semanas, por hiperatividade.

Outra causa freqüente é a doença de Parkinson, em que as disfunções miccionais se traduzem por hiperatividade do detrusor, bradicinesia e espasticidade do esfíncter externo na fase avançada. O aumento da hiperatividade detrusora com a duração e gravidade da doença é controverso na literatura. As demências são também bastante freqüentes em pacientes idosos e a principal disfunção miccional é a incontinência, que é devida em grande parte à perda da função cognitiva, responsável pela continência social. Nos tumores cerebrais, as disfunções miccionais estão relacionadas ao local do cérebro afetado e às características próprias da lesão.

Na Síndrome de Shy e Drager, que se caracteriza por disfunção autonômica generalizada, encontramos primariamente hiperatividade do detrusor, embora possamos
detectar também disfunção do esfíncter externo.
Nas lesões medulares, as disfunções miccionais dependerão das características de cada doença, da área medular afetada e da sua gravidade. Pode ocorrer envolvimento de fibras parassimpáticas, simpáticas e somáticas em graus variados, com uma combinação extensa de sinais e sintomas.

Na esclerose múltipla, as lesões medulares são as principais responsáveis pelos sintomas miccionais, embora também possam contribuir as lesões cerebrais. Nesta doença, formam-se placas de desmielinização na substância branca do cérebro e medula, principalmente nas colunas posterior e lateral da medula cervical. Aparecerá hiperatividade detrusora (70% dos casos), sendo que em 50% destes casos pode ocorrer dissinergia detrusor-esfincteriana. Arreflexia do detrusor ocorre em 20% a 30% dos casos.

Na mielite transversa, geralmente, há dificuldade de esvaziamento vesical no início, evoluindo depois para hiperatividade com ou sem dissinergia ou, então, arreflexia com esfíncter espástico. Quase sempre haverá alguma disfunção residual à avaliação urodinâmica. Em nosso meio, não podemos deixar de referir à mielopatia esquistossomótica,
com relevante freqüência nas regiões endêmicas.

Os pacientes afetados apresentam-se inicialmente com intensa dor lombo-sacra, irradiando-se para os membros inferiores, seguida por paraparesia e paraplegia. A dificuldade de esvaziamento vesical aparece geralmente concomitante e evolui rapidamente para retenção urinária. O diagnóstico baseia-se no encontro dos ovos do S. mansoni (oograma retal) e na sorologia liquórica. Aqueles com diagnóstico e tratamento tardios terão disfunções definitivas que variam de sintomas irritativos e obstrutivos, até retenção urinária.
Entre outras doenças medulares que podem causar disfunções miccionais, podemos citar ainda: mielite tropical espástica, lesões vasculares, aracnoidites (auto-imunes, viróticas), tumores, estenose de canal medular, disrafismo, traumas, etc.

As lesões periféricas de cauda eqüina e nervos periféricos são bastante freqüentes nas cirurgias radicais da pelve, como tumor de reto e histerectomia radical. Nestas ocasiões, podem ocorrer lesões variadas dos nervos parassimpáticos, simpáticos e pudendo. Assim, podemos encontrar sintomas relacionados à arreflexia do detrusor e/ou alterações variadas do funcionamento do esfíncter externo. Estes distúrbios tendem a desaparecer em 80% dos casos após seis meses do início da doença. Doença bastante comum e que pode evoluir com disfunções miccionais é o diabetes mellitus.

As lesões neurológicas estão relacionadas a alterações do metabolismo da glicose ao nível dos nervos periféricos. As manifestações iniciais no trato urinário inferior são de perda da sensação vesical. Por isso, os pacientes tendem a desenvolver grandes volumes de urina na bexiga, que perde progressivamente sua força contrátil. Como geralmente são pacientes mais idosos, estas manifestações são agravadas por comorbidades, como hiperplasia prostática benigna, distopias vaginais, medicamentos, etc). A avaliação urodinâmica em pacientes com cistopatia diabética mostrou hiperatividade em 55% e arreflexia em 33% dos casos.

Também podemos encontrar disfunções miccionais em outras doenças periféricas:

• Herpes zoster: doença virótica que afeta os gânglios dorsais;
• Doença de Lyme: leucoencefalite e polineuropatia;
• Síndrome de Guillain-Barré: polineuropatia desmielinizante inflamatória, com predileção pelas raízes medulares.

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Publicado em 14/03/11 e revisado em 26/05/17


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