Fisioterapia respiratória nas Doenças Neuromusculares
A intervenção fisioterapêutica em pacientes com doenças neuromusculares é realizada pela fisioterapia motora, respiratória e, em alguns casos, pela hidroterapia. Associam-se um conjunto de finalidades formadoras de todo o plano terapêutico com seus devidos e bem direcionados objetivos (de curto, médio e longo prazo), que garantem orientações particulares e coletivas, como a familiar, desenvolvimento de habilidades motoras funcionais, estática e dinâmica, para a conquista ou manutenção da independência funcional.
A fisioterapia respiratória tem como objetivos principais :
Promover o crescimento adequado e manter a elasticidade dos pulmoes e da caixa torácica
Em decorrência da fraqueza muscular, a distribuição da ventilação é anormal. Quando o comprometimento principal é da musculatura intercostal, ocorre hipoventilaçao dos ápices pulmonares; se for do diafragma, as bases sao menos ventiladas, propiciando o desenvolvimento de atelectasias e shunts.7
O air stacking e/ou a ventilaçao nao-invasiva (VNI) sao manobras importantes para promover a melhor expansao pulmonar, prevenir contraturas da parede torácica e restriçao pulmonar. Durante o air stacking, sao insuflados, consecutivamente, volumes de ar, por meio de unidade ventilatória manual (ambu) ou ventilador, que sao retidos pelo paciente por meio do fechamento da glote.
O air stacking deve ser iniciado quando a CV decresce para valores em torno de 70% do previsto. Quando nao é possível essa avaliaçao, deve-se iniciá-lo na presença de respiraçao paradoxal, deformidade torácica ou quando a tosse é fraca e ineficaz. Nas intercrises sao feitas duas a três sessoes ao dia, 10 a 15 vezes em cada uma, com o auxílio de um cuidador. Na presença de infecçoes ou quando houver retençao de secreçoes, fazem-se quantas sessoes foram necessárias, juntamente com assistência à tosse. Habitualmente, crianças a partir de um a dois anos já conseguem realizar as manobras.
Figura 3 - air stacking
A respiraçao glosso-faríngea (RGF) consiste em o paciente utilizar a glote para impulsionar bólus de ar para os pulmoes, com o seu fechamento a cada gulp. Uma respiraçao consiste de seis a nove gulps de 40 a 200 mL cada. Ela possibilita aumentar a complacência pulmonar e a eficácia da tosse e incrementar a voz, facilitando a solicitaçao de socorro. Permite também que pacientes com fraqueza importante da musculatura inspiratória consigam respirar quando a ventilaçao nao-invasiva (VNI) nao está sendo utilizada ou no caso de sua interrupçao súbita. Sua realizaçao nao é possível no paciente traqueostomizado.25
Facilitar o clearance das vias aéreas
a- Mobilizaçao do muco
Drenagem postural e vibraçao, mais eficazes quando o muco é mais fluido.
Percussao torácica consiste na aplicaçao manual de pequenas pancadas no tórax. Deve ser utilizada somente quando o paciente está com acúmulo de secreçoes. A percussao facilita a migraçao proximal das secreçoes, mas, por outro lado, aumenta a taxa metabólica, o consumo de O2 (de 40 a 50%), a FC, a PA, PIC e predispoe ao RGE.
A vibraçao é feita com o auxílio de aparelhos. Oscilaçoes com alta freqüência atuam como mucolítico físico, diminuem a viscosidade e aumentam o clearance das vias aéreas.
As manobras para mobilizaçao do muco nao devem ser usadas nas crianças sem secreçao porque causam aumento do consumo de O2. O uso dessas técnicas também está contra-indicado se houver comprometimento da tosse, mesmo durante as infecçoes respiratórias ou nas aspiraçoes crônicas de saliva.
b- Auxílio na tosse com assistência aos músculos expiratórios
Crianças com fraqueza muscular moderada a grave apresentam risco aumentado de pneumonia ou atelectasia devido à sua dificuldade em eliminar as secreçoes das vias aéreas. Pode-se ajudar a tosse, tornando-a mais eficaz, a partir de assistência manual ou com a utilizaçao de equipamentos.26
Tosse assistida manualmente
Consiste na execuçao de pressao abdominal ou tóraco-abdominal no momento que o paciente for iniciar a tosse e ocorrer abertura da glote. O PFT pode ser duplicado se o paciente receber insuflaçao máxima antes de se fazer a compressao.35 A insuflaçao máxima, isoladamente, é capaz de aumentar significativamente o PFT, da mesma forma que as compressoes. O uso das duas manobras associadas é a forma mais eficaz de aumentar a tosse.27
Pode-se fazer uma compressao na regiao epigástrica com uma mao, enquanto a outra comprime o tórax, para se evitar a expansao paradoxal. A tosse assistida manualmente necessita de cooperaçao do paciente e de boa sincronizaçao entre o paciente e o cuidador. Geralmente ela nao é efetiva na presença de escoliose grave.
Em lactentes, a tosse assistida pode ser realizada colocando-se a criança apoiada no ombro e comprimindo gentilmente a sua barriga no momento da tosse. Essa posiçao tem a vantagem de diminuir o refluxo gastroesofágico.
As compressoes abdominais nao devem ser feitas no período entre uma e uma e meia hora após as refeiçoes. Se houver necessidade, devem ser feitas compressoes torácicas.
Tosse mecanicamente assistida
Existem aparelhos capazes de produzir inspiraçoes profundas, seguidas imediatamente por exsuflaçoes, sendo as pressoes ins e expiratórias e os tempos ajustáveis independentes. A aspiraçao das vias aéreas, seja através das vias aéreas superiores ou através de tubos, em 90% dos casos nao consegue chegar ao brônquio principal esquerdo. Já esses aparelhos promovem o mesmo fluxo expiratório em ambos os lados, sem o desconforto da aspiraçao, sendo o método preferido pelos pacientes 26.
As sessoes devem ser repetidas até o paciente parar de eliminar secreçao e ocorrer melhora da saturaçao. O número de vezes que devem ser realizadas depende da condiçao clínica do paciente. É interessante habituar a criança com o aparelho na fase mais estável, para facilitar a tolerância quando houver infecçao.
Nas crianças muito pequenas, devido ao pequeno calibre dos tubos, o aparelho pode nao ser capaz de administrar a pressao necessária, embora haja relato na literatura do seu uso em crianças de quatro meses. 26
A tosse mecanicamente assistida está indicada em crianças quando a tosse manualmente assistida estiver limitada, se o Pemax estiver abaixo de 60 cm de H2O, na vigência de infecçao respiratória aguda ou atelectasia, sem melhora com o tratamento habitual.
Manter a ventilaçao alveolar adequada
Quando a força da musculatura inspiratória encontra-se muito diminuída, insuficiente para a manutençao das trocas gasosas, está indicado o uso de ventilaçao nao-invasiva (VNI), que consiste em uma ventilaçao com pressao positiva que nao necessita de intubaçao endotraqueal.8
Inicialmente, a VNI pode ser utilizada apenas à noite, com o objetivo de reduzir o esforço respiratório, descansando a musculatura e, conseqüntemente, melhorando a respiraçao diurna.
Com a VNI noturna, a PaO2 diurna aumenta e a PaCO2 diminui, melhorando a resposta ventilatória ao CO2.28 Isto é muito importante porque o bicarbonato elevado diminui a sensibilidade do centro respiratório ao CO2. A melhora da PaCO2 diurna, com o uso da VNI noturna, parece ser proporcional ao período de tempo em que esta é utilizada.
Como os lactentes nao sao capazes de colaborar com o air stacking ou receber insuflaçoes máximas, todos os lactentes com DNM e respiraçao paradoxal devem receber suporte ventilatório noturno, preferencialmente VNI, ajudando a prevenir o pectus excavatum e promovendo o crescimento do pulmao
A VNI pode ser utilizada sob demanda, preferencialmente à noite, reduzindo assim a morbidade, o desconforto e as dificuldades da ventilaçao invasiva. Ela pode ser administrada através de peças bucais, interfaces nasais ou nasais-orais. A adaptaçao do paciente à VNI nem sempre é fácil e necessita do auxílio de profissionais capacitados. Essa adaptaçao pode ser realizada em regime ambulatorial ou domiciliar.
A ventilaçao nasal é preferida por mais de 2/3 dos pacientes que usam a VNI só para dormir. Existem numerosas máscaras no mercado, nem sempre de fácil acesso no Brasil, e cada uma deve ser adaptada ao paciente. O uso de diferentes interfaces permite variar o local de pressao na pele, minimizando o desconforto em caso de lesoes locais. Os pacientes preferem a peça bucal para o uso diurno.
Sempre que possível, deve-se evitar a ventilaçao invasiva (VI), traqueostomia, nesses pacientes. Ela causa aumento na produçao de secreçao e compromete o mecanismo de clearance das vias aéreas.Em sua maioria absoluta, os pacientes preferem a VNI, pela segurança, conveniência, aparência, conforto, facilidade para conversar, dormir e deglutir, quando comparada à traqueostomia.29
CRITÉRIOS PARA INDICAR A VNI
As indicaçoes para a instituiçao da VNI sao: prevençao de descompensaçao respiratória na vigência de infecçoes respiratórias e durante per-operatório, prevençao de deformidades torácicas, descanso da musculatura respiratória, controle da hipoventilaçao noturna, tratamento da insuficiência ventilatória e alívio dos sintomas em fase terminal.29
O melhor momento para se indicar a VNI nao é bem determinado, mas crianças com hipercapnia diurna, distúrbios do sono ou pneumonias de repetiçao provavelmente se beneficiam.29 Insuficiência respiratória, na vigência de infecçao respiratória, é uma indicaçao, porém o ideal é que a VNI seja instituída fora de exacerbaçao aguda.8
A hipercania diurna (PaCO2 maior que 45 mmHg) é o critério mais comumente utilizado para se iniciar a VNI. Sintomas clínicos como perturbaçoes do sono, sonolência diurna, fadiga excessiva, cefaléias matinais em paciente que ainda nao apresenta hipercapnia diurna justificam a realizaçao de polissonografia, quando disponível, para avaliar a ocorrência de hipoventilaçao alveolar noturna. Saturaçao noturna inferior a 88% durante mais de cinco minutos consecutivos é indicaçao de VNI.30
Critérios para indicação de VNI 41
Nos pacientes portadores de Duchenne, o uso profilático da VNI nao retarda a perda da capacidade pulmonar, portanto, ela só deve ser indicada quando já existe hipercapnia diurna ou noturna sintomática.
Sao contra-indicaçoes relativas ao uso da VNI: distúrbios da deglutiçao e dificuldades da família no manejo do aparelho e na assistência à criança. Contra-indicaçoes absolutas sao: obstruçao grave e irreversível das vias aéreas superiores, secreçao brônquica persistente, cooperaçao impossível, impossibilidade de produzir débito expiratório suficiente para tossir, nao-tolerância à interface e comprometimento bulbar. Quando o paciente apresentar obstruçao nasal, deve-se trocar a máscara nasal pela facial.8
Nas crianças com amiotrofia tipo 1, por questoes éticas, nao há consenso na literatura na indicaçao de suporte ventilatorio nao-invasivo. Traqueostomia e ventilaçao mecânica sao menos freqüentemente sugeridas.3,4
O paciente em uso de VNI pode apresentar algumas complicaçoes, sendo as mais comuns aquelas relacionadas à mascara, ao fluxo e à pressao. As lesoes cutâneas variam desde eritema transitório até a necrose cutânea. Deformidade facial é diretamente relacionada ao tempo de uso. Podem ser observadas distensao abdominal, deformidades ortodônticas, alergia ao plástico da máscara ou ao silicone, boca seca, irritaçao no olho, congestao nasal, sinusite, epistaxe, desconforto intestinal, aerofagia. No entanto, se a adaptaçao for adequada e o paciente bem orientado e atendido, esses efeitos nao sao tao comuns e a maioria deles é contornável.8
Geralmente as indicaçoes para a traqueostomia sao PFT assistida menor que 160 L/min (ou 2,7 l/seg) e SaO2 basal menor que 95% devido à aspiraçao crônica de saliva.
O tratamento dos pacientes com DNM (Doenças Neuromusculares) é um desafio permanente para todos os profissionais, a família e o Sistema Unico de Saúde (SUS). Entretanto esses desafios estao longe de representar barreiras intransponíveis, na realidade constituem motivos para o crescente aprimoramento.
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