Caracterização de adultos com paralisia cerebral
Paralisia Cerebral (PC) é um "grupo de perturbações permanentes no desenvolvimento de movimentos e posturas que causam limitações nas atividades funcionais e que são atribuídas a distúrbios não-progressivos que ocorrem no cérebro fetal ou infantil"1. O curso natural da PC mudou bastante durante os últimos 50 anos. Estudos em vários países têm demonstrado que a expectativa de vida de indivíduos com PC tem aumentado2-4. Segundo Donkervoort et al.5, crianças com PC podem ter sobrevivência semelhante à da população em geral, quando não apresentam comorbidades significativas e recebem cuidados médicos adequados.
A PC é uma condição permanente e, embora a lesão neurológica seja estática, as sequelas osteomusculares mudam ao longo da vida6. Nos últimos anos, estudos têm descrito um progressivo aparecimento de deficiências, tais como: deformidades ortopédicas6,7, fraqueza e diminuição de flexibilidade muscular8,9, degeneração articular10, osteoporose11,12 , fadiga13,14 e dor14,15. Além disso, há relatos de limitações progressivas das atividades funcionais, como a marcha5,14,16,17.
Pesquisas sobre os aspectos relacionados à saúde de adultos com PC são importantes para que profissionais da saúde possam disponibilizar abordagens terapêuticas adequadas, documentar a necessidade de políticas públicas voltadas para essa população bem como contribuir para formulação de estratégias preventivas para crianças com PC16,17.
Nos últimos anos, há um fluxo crescente de estudos sobre adultos com PC2,3,13,16,18-22 , principalmente em países desenvolvidos2,3,13,16,18-20,22 . Após pesquisa bibliográfica, não foram encontrados estudos científicos sobre adultos com PC na população brasileira. No entanto, dentro de uma perspectiva biopsicossocial, o ambiente físico, social, cultural e político também influenciam a saúde do adulto com PC23. Assim, é importante conhecer as necessidades, condições de vida, deficiências, limitações funcionais e restrições sociais que envolvem adultos brasileiros com PC.
Portanto, o objetivo do presente estudo é caracterizar adultos com PC por meio de informações sociodemográficas (idade, gênero, escolaridade, estado civil, nível econômico, emprego, estado de habitação e constituição familiar); classificação da PC (quanto à disfunção neuromotora, distribuição topográfica, função motora grossa e função motora fina); saúde geral e condições associadas; complicações físicas e modo de locomoção.
Materiais e métodos
Tipo de estudo e participantes
Trata-se de um estudo descritivo para caracterização de uma população, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina (MG), Brasil, registro 011/09. Participaram deste estudo 22 adultos com PC recrutados em todos os centros de reabilitação da cidade de Diamantina (MG): Núcleo de Reabilitação Nossa Senhora da Saúde, Clínica-Escola de Fisioterapia da UFVJM e Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Os critérios de inclusão foram: possuir PC diagnosticada e registrada em prontuário pelas instituições de origem; idade maior ou igual a 18 anos; residir no município de Diamantina. Todos os participantes, ou responsáveis, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Instrumentos
Para verificação do nível econômico, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)24, questionário que se baseia na acumulação de bens materiais e escolaridade. A classificação econômica geral resultante desse critério varia de A1 (indicando classe econômica elevada) a E (indicando classe econômica muito baixa)24.
Para a classificação da função motora grossa, aplicou-se o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa ou Gross Motor Function Classification System (GMFCS)25. O GMFCS baseia-se no movimento iniciado voluntariamente, enfatizando a posição sentada e a marcha. As distinções entre os níveis de função motora, de I a V, são baseadas nas limitações funcionais e na necessidade de tecnologia assistiva25. Apesar da faixa etária estabelecida até 18 anos26, já existem na literatura estudos que fazem uso do GMFCS para adultos com PC8,27-29.
Para classificar a função motora fina, utilizou-se o Sistema de Classificação das Habilidades Manuais ou Manual Ability Classification System (MACS)30. É um sistema para classificar o modo como crianças com PC manuseiam os objetos em atividades diárias, necessidades de assistência ou adaptações30. É composto por 5 níveis, de I a V, crescentes quanto às limitações presentes. Segundo Haak et al. 23 e Donnelly et al.29, embora o MACS tenha sido concebido para crianças, pode contribuir para trabalhos em adultos com PC.
Elaborou-se, a partir da revisão literária2,6,7,13,16,17,19,20,31,32 , um questionário que aborda diversos aspectos da vida do adulto com PC (Anexo 1). Ele contém informações sociodemográficas, classificações, saúde geral, condições associadas, complicações físicas e modo de locomoção.
Procedimentos
No prontuário médico e fisioterapêutico da instituição de origem de cada participante, foram colhidas informações sobre o tipo de PC e a distribuição topográfica. Os questionários e entrevistas foram respondidos pelo participante. Entretanto, no caso de dificuldades de expressão e/ou compreensão que comprometesse a entrevista, o cuidador do participante foi quem respondeu às perguntas. Solicitou-se aos entrevistados que apresentassem exames que pudessem comprovar a existência de doenças ou complicações físicas.
Para complementar as informações necessárias, realizaram-se inspeção e avaliação da movimentação passiva. Assim, foi verificado se havia deformidades, como escoliose e obliquidade pélvica, além de contraturas e outras alterações. Segundo Tardieu et al.33, contratura muscular é a perda da extensibilidade muscular que deve ser mensurada em completa ausência de contração muscular, constatada pela atividade eletromiográfica ausente. No entanto, como foi realizada medida clínica, admite-se também a existência de fatores neurais no aumento da resistência à movimentação passiva34.
O modo de locomoção dos participantes foi observado. Para aqueles que não deambulavam, questionou-se sobre a presença da marcha em alguma fase da vida. Para aqueles que deambulavam, observou-se o tipo de marcha segundo adaptação dos "Critérios para Deambulação Funcional ou não Funcional"35: marcha comunitária, ser capaz de deambular em ambientes externos e comunitários com ou sem auxílio de dispositivo para marcha; marcha domiciliar/escolar, ser capaz de deambular dentro de casa ou dentro da sala de aula com ou sem auxílio de dispositivo, mas necessitar de cadeira de rodas, auxílio ou apoio de terceiros para deambulação em ambientes externos ou comunitários; marcha não funcional ou terapêutica, ser capaz de dar alguns passos em terreno regular com ou sem auxílio de dispositivos, mas necessitar de supervisão.
Análise de dados
Realizou-se a análise descritiva dos dados, média, desvio-padrão, porcentagem, e frequência por meio do software aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 15.0, SPSS Inc..
Resultados
Dados sociodemográficos
A amostra foi composta por 22 participantes, cinco (22,7%) entrevistados foram os próprios participantes e 17, (77,3%) os cuidadores. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas da população de adultos com PC. Os participantes tinham entre 18 a 52 anos, com média de idade de 28,7 (±10,6%) anos. A amostra teve maior porcentagem do gênero masculino, 63,6%.
Quanto à escolaridade, sete (31,8%) não possuíam nenhuma escolaridade; 10 (45,5%) estudavam ou haviam estudado em escola especial; dois (9,1%) possuíam ensino fundamental completo ou incompleto, três (13,6%) possuíam o ensino médio completo ou incompleto. Dos 22 participantes, apenas um (4,5%) tinha emprego. Dezenove (86,4%) participantes residiam com os pais, um (4,5%) residia com a irmã, um (4,5%) residia em uma instituição de longa permanência e um (4,5%) com a esposa e filhos biológicos. Quanto à classificação econômica, um (4,5%) participante pertencia ao nível A2; dois (9,1%), ao nível B2; sete (31,8%), ao nível C1; oito (36,4%) ao nível C2; dois (9,1%), ao nível D e um (4,5%), ao nível E. Uma participante residia em instituição de longa permanência, não sendo possível sua classificação.
Classificação quanto à PC
As classificações quanto à disfunção neuromotora, distribuição topográfica e nível de funcionalidade por meio do GMFCS e do MACS estão representadas na Tabela 2. Dos 22 participantes, 86,4% tinham PC espática; 13,6%, PC discinética. Os demais tipos (atáxico, hipotônico) não foram encontrados. Como padronização, os pacientes com PC mista (espástica e discinética) foram classificados como PC discinética. Dos participantes espásticos, 22,7% eram hemiplégicos; 22,7%, diplégicos e 40,9%, quadriplégicos. Quanto ao GMFCS, 45,4% pertenciam aos níveis I e II e 54,5%, aos níveis IV e V. Todos os participantes quadriplégicos espásticos bem como dois dos três participantes discinéticos pertenciam aos níveis IV e V do GMFCS. Dos cinco participantes hemiplégicos, quatro pertenciam aos níveis I e II, bem como quatro dos cinco diplégicos. Quanto ao MACS, encontraram-se resultados semelhantes aos do GMFCS, 45,4% de todos os participantes pertenciam aos níveis I e II e 54,5% aos níveis IV e V. Todos os participantes quadriplégicos pertenciam aos níveis IV e V, todos os hemiplégicos aos níveis I e II. Três dos cinco diplégicos pertenciam aos níveis I e II, bem como dois dos três discinéticos.
Saúde geral, condições associadas e complicações físicas
Informações sobre a saúde geral, condições associadas e complicações físicas estão na Tabela 3.
Locomoção
Dos 22 participantes, 12 não deambulavam (54,5%), sendo que 10 nunca adquiriram a marcha e dois perderam tal habilidade após a infância. Dez (45,5%) possuíam marcha: oito, (36,4%) comunitária; um (4,5%), domiciliar e um (4,5%), terapêutica. Três (13,6%) participantes que deambulavam utilizavam órteses tornozelo-pé sólidas. Dos participantes que não deambulavam, nove (40,9%) eram conduzidos por terceiros em cadeira de rodas manuais dentro e fora de casa, um (4,5%) arrastava-se pelo chão. Dois (9,1%) não deambulavam, mas também não possuíam cadeira de rodas (Tabela 4).
Discussão
O presente estudo caracterizou uma amostra de 22 adultos com PC residentes em uma cidade do interior do Brasil. A maioria dos participantes foi classificada como espástica, com maior número de quadriplégicos. Embora haja consenso na literatura quanto ao tipo espástico ser o mais prevalente entre indivíduos com PC, a distribuição topográfica é variável entre os estudos19,36,37. Segundo Andersson e Mattsson19, uma possível justificativa para esse fato poderia ser a diferença nas definições entre pesquisadores, principalmente para distinguir diplégicos severos e quadriplégicos. Os participantes hemiplégicos e diplégicos, em sua maioria, apresentaram GMFCS níveis I e II e aqueles quadriplégicos e discinéticos, em sua maioria, GMFCS níveis IV e V. Nossos achados estão de acordo com o estudo realizado por Shevell et al.38. Os autores verificaram a relação entre o GMFCS e os tipos de PC em 301 crianças e concluíram existir uma correlação entre PC espástica e discinética com os níveis de maior incapacidade motora grossa e correlação entre hemiplegia e diplegia com os níveis de menor incapacidade motora grossa.
Quanto ao MACS, os participantes quadriplégicos e hemiplégicos apresentaram resultados semelhantes àqueles encontrados para o GMFCS. Já para os participantes diplégicos e discinéticos, verificou-se uma distribuição mais equivalente entre os níveis de menores e maiores incapacidades. Esses resultados estão de acordo com estudos que procuraram verificar a associação entre o GMFCS e o MACS39,40. O MACS está relacionado com o grau do comprometimento neuromotor dos membros superiores, variável entre diplégicos, bem como com a preservação da cognição, frequente tanto em indivíduos discinéticos como diplégicos39,40 .
Quanto à caracterização sociodemográfica, a maioria dos participantes era do gênero masculino, classe econômica variada, embora maior porcentagem pertencesse a classes intermediárias. Ao se considerar a faixa etária dos participantes, entre 18 a 52 anos de idade, é possível observar, assim como em outros países, aumento na expectativa de vida. Hemming et al.3 acompanharam uma coorte de indivíduos com PC nascidos de 1940 a 1960 no Reino Unido. Os autores constataram que daqueles indivíduos vivos aos 20 anos de idade, 86% sobreviveram até a idade de 50 anos. Segundo Hutton e Pharoah4, a severidade e a quantidade de comorbidades exercem importante papel na sobrevida de indivíduos com PC ao longo da vida. Em um estudo realizado por esses autores, 99% de indivíduos com PC leve sobreviveram até 30 anos. Entre aqueles com quatro comorbidades graves, apenas 33% sobreviveram até 30 anos de idade. Segundo Strauss et al.2 , desde a década de 1980, foi dada maior importância para o estado nutricional apropriado para crianças e adultos com deficiências, passou a haver reconhecimento precoce e tratamento vigoroso de infecções, além de melhor suporte tecnológico disponível nos serviços médicos.
No Brasil, há um aumento na expectativa de vida da população em geral, dadas as melhores condições de vida e cuidados de saúde41. Porém, foi possível observar, no presente estudo, que a idade máxima dos participantes ainda se encontra abaixo da expectativa de vida do brasileiro, de 71,3 anos41. No entanto, essa é uma realidade encontrada em outros estudos2-4,23,42 . Embora a expectativa de vida de indivíduos com PC tenha aumentado, permanece inferior à expectativa da população geral, mesmo em países desenvolvidos2-4,23,42 .
Os participantes deste estudo demonstraram restrição na participação social, com exceção de um participante apenas no que concerne à obtenção de emprego, formação de família e independência dos pais. Além disso, os participantes demonstraram grau de escolaridade baixo. Tal realidade é diferente daquela descrita na literatura para países desenvolvidos, embora, mesmo nesses países, a participação social de adultos com PC ainda seja menor do que a encontrada na população em geral19,20. Em um estudo realizado na Dinamarca20 com 486 adultos com PC nascidos entre 1965 a 1970, 68% viviam independentemente, 28% constituíram família, 19 % tinham filhos e 45% tinham emprego22 . Outro estudo realizado na Suécia19 com 221 adultos com PC, 61% viviam independentemente, 24% trabalhavam em tempo integral, 57% completaram mais dois ou três anos de estudos após os 16 anos de idade, 14% constituíram famílias.
Os autores desses estudos19, 20 associam a restrição na participação social de adultos com PC à severidade das deficiências, ao tipo de classificação neuromotora e topográfica, ao grau de dependência funcional e à ausência de marcha, além de condições associadas como epilepsia e alterações cognitivas. De fato, no presente estudo, o paciente que apresentou melhor participação social tem ensino médio incompleto, é diplégico com GMFCS nível I, MACS nível II e apresenta deambulação comunitária. Foi capaz de responder sozinho ao questionário e relatou não ter epilepsia.
É possível que a importante restrição na participação social e baixo grau de escolaridade dos participantes deste estudo estejam relacionados às condições associadas, pois há relato de epilepsia em 54% dos participantes e distúrbios de comunicação em 77,3 % deles. Além disso, 77,3% dos participantes necessitaram de auxílio para responder o questionário em decorrência de alteração cognitiva ou distúrbios de comunicação. No entanto, também é necessário considerar a influência de fatores ambientais23,32 . Embora, nos últimos anos, o Brasil tenha apresentado avanços econômicos e sociais, com diminuição na proporção de pobres e aumento no Índice de Desenvolvimento Humano41, a realidade do ambiente social, cultural e econômico bem como o processo de inclusão social ainda são bem diferentes da situação dos países desenvolvidos.
Perguntou-se aos participantes ou cuidadores sobre a existência de problemas de saúde e condições associadas. Os principais encontradas foram os distúrbios de comunicação, como afasia/disartria, epilepsia, disfunção intestinal e/ou vesical, distúrbios de deglutição e problemas dentários. Os resultados encontrados estão em conformidade com outros estudos16,23,31,32,36,42 , porém refluxo gastroesofágico, déficits auditivos e visuais são também frequentemente relatados na literatura16,23,31,36,42 . Segundo Turk42 , a maioria dos problemas de saúde ou condições associadas dos adultos com PC são as mesmas que os acompanham desde a infância. No entanto, PC adultos queixam-se mais de problemas dentários, urinários, intestinais, dor e, principalmente, de disfunções do sistema musculoesquelético36,42 .
No presente estudo, observou-se um elevado número de escoliose, obliquidade pélvica e contraturas musculares. Apenas dois participantes relataram fraturas por motivo de queda na infância. Nenhum participante soube informar sobre osteoporose, apenas um relatou osteoartose, e dois relataram luxação do quadril. No entanto, tais achados devem ser analisados com cautela, visto que os participantes negaram possuir exames complementares para análise; além disso, demonstraram pouco conhecimento sobre conceitos e evolução da PC.
Bottos et al.16, em um estudo de caracterização de 72 adultos com PC na Itália, encontraram escoliose acima de 30º em 20,3 % dos participantes e 28,2% de luxação ou subluxação de quadris. Turk et al.36, em um estudo com 63 mulheres adultas com PC, encontraram 40% de deformidades de quadril (obliquidade pélvica ou luxação de quadril), 53% de deformidades na coluna (cifose ou escoliose) e 75% de contraturas musculares.
Segundo a literatura pesquisada6,7,16,19,43, deformidades como escoliose, obliquidade pélvica e luxação do quadril são mais frequentes em adultos gravemente acometidos, geralmente aqueles com PC do tipo quadriplégica ou aqueles que não deambulam. As contraturas musculares, deformidade nos pés e osteoartrose, por outro lado, são encontradas em todos os tipos de PC.
Neste estudo, houve uma grande proporção de indivíduos com contraturas (81,8%), sendo mais constantes em extensores de tornozelo, seguidas pelas dos flexores de joelho, quadril, punho e cotovelo, respectivamente. Dois hemiplégicos, um diplégico e um discinético não tinham contraturas, e todos os quadriplégicos tinham de dois a cinco grupos musculares contraturados. As contraturas foram encontradas em 100% daqueles participantes que não deambulavam e em 60% daqueles que deambulavam. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por Andersson e Mattsson19. Eles encontraram 80% de contraturas em estudo com adultos com PC: dos 27 participantes quadriplégicos, 25 não deambulavam e, dentre estes, apenas 1 relatou não possuir contratura; dos 47 hemiplégicos, 31 relataram possuir contraturas, sendo que todos deambulavam.
Segundos resultados de estudos de ultrassonografia em músculos de indivíduos com PC8,9, tanto em casos da imobilidade ou desuso como em casos de uso em excesso ou em situação biomecânica desfavorável ocorrem adaptações teciduais, como consequências, ocorrem contraturas, atrofias musculares e modificações na arquitetura muscular. Isso ocorre porque o músculo é um órgão dinâmico que se adequa às demandas de sua utilização19, 44.
A fadiga é descrita como uma diminuição da capacidade de manter a força muscular e desempenhar tarefas; a experiência de se sentir esgotado, cansado, fraco ou com falta de energia13. Neste estudo, a fadiga foi relatada por nove (40,9%) participantes, sendo a maioria dentre aqueles que deambulavam. Segundo Jahnsen et al.13, a fadiga exige uma determinada quantidade de atividade, e os indivíduos com graves incapacidades motoras talvez não tenham atividades motoras suficientes para se tornarem fisicamente fadigados.
A marcha foi observada em 10 (45,5%) participantes, quatro hemiplégicos e seis diplégicos. A maior parte desses indivíduos possuía marcha comunitária. Doze participantes quadriplégicos não deambulavam. Segundo a literatura17,45,46, embora a análise de prognóstico de marcha em indivíduos com PC seja complexa e multifatorial, o diagnóstico topográfico da PC é um fator importante, ou seja, hemiplégicos, seguidos de diplégicos, geralmente têm um prognóstico favorável para o desenvolvimento da marcha enquanto que o prognóstico para quadriplégicos é desfavorável17,45,46.
Um participante discinético perdeu a marcha aos 32 anos devido à espondilolistese seguida por mielopatia. De acordo com Murphy43, há possibilidade de ocorrer espondilolistese em adultos com PC discinéticos devido à posturas distônicas contorcionais da cabeça e do pescoço.
Outro participante quadriplégico espástico perdeu a marcha aos 12 anos por deterioração da capacidade funcional. Resultados de estudos têm demonstrado que uma progressiva limitação funcional pode ocorrer precocemente em indivíduos com PC; alguns, entre 25 e 35 anos, perdem a capacidade de deambular14,17,19,23,42 . Segundo Bottos e Gericke17, dentre os vários fatores relacionados à perda de marcha em adultos com PC, os principais seriam: os processos degenerativos e dores articulares em consequência do uso de uma biomecânica desfavorável; o desequilíbrio entre a demanda para marcha em contexto dinâmico ambiental; o surgimento da fadiga e cirurgias ortopédicas que não levam em conta as respostas compensatórias e funcionais do indivíduo.
Recentemente, um estudo longitudinal14 demonstrou que em 146 adultos com PC, 52% declararam limitação funcional na marcha. Essa deterioração estava associada principalmente ao tipo de PC bilateral (quadriplégicos e diplégicos) e nível III do GMFCS. Houve correlação com queixa de dor, fadiga e perda de equilíbrio corporal. Os autores concluíram que indivíduos com PC bilateral, nível III do GMFCS, mais do que os demais, sobrecarregam seus sistemas musculoesqueléticos com o intuito de cumprir suas metas funcionais e sociais. Além disso, fatores ambientais, com escassa oferta de reabilitação, treinamento físico para adultos com PC e falta de adaptações ambientais, são determinantes.
Vários estudos16,17,19,23,42 alertam para o fato de que, de um modo geral, há descontinuidade na reabilitação física de indivíduos com PC na fase adulta. Quando existentes, as terapêuticas são voltadas para as necessidades das crianças. Thorpe47 ressalta que há poucos estudos sobre reabilitação ou atividade física em adultos com PC e, como atualmente eles apresentam maior expectativa de vida, é imperativo que a comunidade científica promova fundamentação para terapêuticas adequadas às necessidades desses indivíduos.
Limitações do estudo
É importante salientar, que por se tratar de um estudo de desenho transversal e se basear em uma amostra de conveniência, há limitação na generalização dos resultados. No entanto, como não há estudos epidemiológicos ou de desenho experimental ou longitudinal com adultos com PC no Brasil, os achados deste estudo são importantes para fomentar discussões sobre expectativa de vida, deficiências, limitações e necessidades de assistência para adultos com PC. Ressalta-se a necessidade de se incluir, em estudos futuros, algumas informações, como avaliação cognitiva, histórico de cirurgias e neurólises e maiores informações sobre os distúrbios de linguagem, não coletadas no presente estudo.
Conclusões
Assim como na literatura pesquisada, verificou-se que os adultos com PC, participantes do presente estudo, apresentam características e necessidades específicas. Eles apresentaram grandes restrições sociais, instalação de deficiências musculoesqueléticas importantes e limitações progressivas na marcha. Além disso, os participantes e cuidadores demonstraram pouco conhecimento sobre a PC e sua evolução.
Ao se considerar o aumento da expectativa de vida desses indivíduos, são necessárias políticas públicas que visem a melhor e maior acesso a informações, a serviços médicos, ao ensino e ao mercado de trabalho, bem como adaptações de ambientes físicos que proporcionem maior acessibilidade aos espaços públicos. É importante ressaltar a necessidade da elaboração de programas de treinamento físico específicos dentro das deficiências e limitações encontradas para indivíduos com PC na fase adulta.
Referências bibliográficas
1. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Bax M, Damiano D, et al. A report: the definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol Suppl. 2007;49(109):8-14. [ Links ]
2. Strauss D, Brooks J, Rosenbloom L, Shavelle R. Life expectancy in cerebral palsy: an update. Dev Med Child Neurol. 2008;50(7):487-93. [ Links ]
3. Hemming K, Hutton JL, Pharoah PO. Long-term survival for a cohort of adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2006;48(2):90-5. [ Links ]
4. Hutton JL, Pharoah PO. Life expectancy in severe cerebral palsy. Arch Dis Child. 2006;91(3):254-8. [ Links ]
5. Donkervoort M, Roebroeck M, Wiegerink D, van der Heijden-Maessen H, Stam H; Transition Research Group South West Netherlands. Determinants of functioning of adolescents and young adults with cerebral palsy. Disabil Rehabil. 2007;29(6):453-63. [ Links ]
6. Paterson M. Progression and correction of deformities in adults with cerebral palsy. Adv Clin Neurosci Rehabil. 2004;4(3):27-31. [ Links ]
7. Horstmann HM, Hosalkar H, Keenan MA. Orthopaedic issues in the musculoskeletal care of adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:S99-105. [ Links ]
8. Ohata K, Tsuboyama T, Ichihashi N, Minami S. Measurement of muscle thickness as quantitative muscle evaluation for adults with severe cerebral palsy. Phys Ther. 2006;86(9):1231-9. [ Links ]
9. Moreau NG, Teefey SA, Damiano DL. In vivo muscle architecture and size of the rectus femoris and vastus lateralis in children and adolescents with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51(10):800-6. [ Links ]
10. Carter DR, Tse B. The pathogenesis of osteoarthritis in cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:S79-83. [ Links ]
11. Henderson RC, Kairalla J, Abbas A, Stevenson RD. Predicting low bone density in children and young adults with quadriplegic cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2004;46(6):416-9. [ Links ]
12. Sheridan KJ. Osteoporosis in adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:38-51. [ Links ]
13. Jahnsen R, Villien L, Stanghelle JK, Holm I. Fatigue in adults with cerebral palsy in Norway compared with the general population. Dev Med Child Neurol. 2003;45(5):296-303. [ Links ]
14. Opheim A, Jahnsen R, Olsson E, Stanghelle JK. Walking function, pain, and fatigue in adults with cerebral palsy: a 7-year follow-up study. Dev Med Child Neurol. 2009;51(5):381-8. [ Links ]
15. Vogtle LK. Pain in adults with cerebral palsy: impact and solutions. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:113-21. [ Links ]
16. Bottos M, Feliciangeli A, Sciuto L, Gericke C, Vianello A. Functional status of adults with cerebral palsy and implications for treatment of children. Dev Med Child Neurol. 2001;43(8):516-28. [ Links ]
17. Bottos M, Gericke C. Ambulatory capacity in cerebral palsy: prognostic criteria and consequences for intervention. Dev Med Child Neurol. 2003;45(11):786-90. [ Links ]
18. Tosi LL, Maher N, Moore DW, Goldstein M, Aisen ML. Adults with cerebral palsy: a workshop to define the challenges of treating and preventing secondary musculoskeletal and neuromuscular complications in this rapidly growing population. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:2-11. [ Links ]
19. Andersson C, Mattsson E. Adults with cerebral palsy: a survey describing problems, needs, and resources, with special emphasis on locomotion. Dev Med Child Neurol. 2001;43(2):76-82. [ Links ]
20. Michelsen SI, Uldall P, Hansen T, Madsen M. Social integration of adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2006;48(8):643-9. [ Links ]
21. Mezaal AM, Nouri KA, Abdool S, Safar K, Nadeem AS. Cerebral palsy in adults consequences of non progressive pathology. Open Neurol J. 2009;3:24-6. [ Links ]
22. Ando N, Ueda S. Functional deterioration in adults with cerebral palsy. Clin Rehabil. 2000;14(3):300-6. [ Links ]
23. Haak P, Lenski M, Hidecker MJ, Li M, Paneth N. Cerebral palsy and aging. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:16-23. [ Links ]
24. ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica Brasil [homepage na Internet]. São Paulo: ABEP; [atualizada em 2005; acesso em 03 Mar 2009]. Disponível em: http://www.abep.org/novo/Content.aspx?ContentID=302 [ Links ]
25. Palisano R, Rosenbaum P, Walter S, Russell D, Wood E, Galuppi B. Development and reliability of a system to classify gross motor function in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1997;39(4):214-23. [ Links ]
26. Palisano R, Rosenbaum P, Bartlett D, Livingston M. Gross motor function classification system: expanded and revised. Can Child Centre for Childhood Disability Research, McMaster University [periódico na Internet]. 2007 [ acesso em 10 Mar 2009]; [aproximadamente 4p.]. Disponível em: http://motorgrowth.canchild.ca/en/GMFCS/resources/GMFCS-ER.pdf [ Links ]
27. Sandstrom K, Alinder J, Oberg B. Descriptions of functioning and health and relations to a gross motor classification in adults with cerebral palsy. Disabil Rehabil. 2004;26(17):1023-31. [ Links ]
28. McCormick A, Brien M, Plourde J, Wood E, Rosenbaum P, McLean J. Stability of the gross motor function classification system in adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2007;49(4):265-9. [ Links ]
29. Donnelly C, Parkes J, McDowell B, Duffy C. Lifestyle limitations of children and young people with severe cerebral palsy: a population study protocol. J Adv Nurs. 2007;61(5):557-69. [ Links ]
30. Eliasson AC, Krumlinde-Sundholm L, Rosblad B, Beckung E, Arner M, Öhrvalll AM, et al. The manual ability classification system (MACS) for children with cerebral palsy: scale development and evidence of validity and reliability. Dev Med Child Neurol. 2006;48(7):549-54. [ Links ]
31. Rapp CE, Torres MM. The adult with cerebral palsy. Arch Fam Med. 2000;9:466-72. [ Links ]
32. Liptak GS. Health and well being of adults with cerebral palsy. Curr Opin Neurol. 2008;21(2):136-42. [ Links ]
33. Tardieu C, Lespargot A, Tabary C, Bret MD. For how long must the soleus muscle be stretched each day to prevent contracture? Dev Med Child Neurol. 1988;30(1):3-10. [ Links ]
34. Harvey LA, Batty J, Crosbie J, Poulter S, Herbert RD. A randomized trial assessing the effects of 4 weeks of daily stretching on ankle mobility in patients with spinal cord injuries. Arch Phys Med Rehabil. 2000;81(10):1340-7. [ Links ]
35. Montgomery PC. Predicting potential for ambulation in children with cerebral palsy. Pediatr Phys Ther. 1990;10:148-55. [ Links ]
36. Turk MA, Geremski CA, Rosenbaum PF, Weber RJ. The health status of women with cerebral palsy. Arch Phys Med Rehabil. 1997;78(12 Suppl 5):S10-7. [ Links ]
37. Murphy KP, Molnar GE, Lankasky K. Medical and functional status of adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1995;37(12):1075-84. [ Links ]
38. Shevell MI, Dagenais L, Hall N; Repacq Consortium. The relationship of cerebral palsy subtype and functional motor impairment: a population-based study. Dev Med Child Neurol. 2009;51(11):872-7. [ Links ]
39. Gunel MK, Mutlu A, Tarsuslu T, Livanelioglu A. Relationship among the manual ability classification system (MACS), the gross motor function classification system (GMFCS), and the functional status (WeeFIM) in children with spastic cerebral palsy. Eur J Pediatr. 2008;168(4):477-85. [ Links ]
40. Carnahan KD, Arner M, Hägglund G. Association between gross motor function (GMFCS) and manual ability (MACS) in children with cerebral palsy. A population-based study of 359 children. BMC Musculoskelet Disord. 2007;8(50):3-7. [ Links ]
41. Guimarães AQ, Wanderley BC. Projeto avaliação de Minas Gerais nos primeiros anos do século XXI – relatório das áreas econômica e social – segundo semestre de 2006. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; 2006. [ Links ]
42. Turk MA. Health, mortality, and wellness issues in adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:S24-9. [ Links ]
43. Murphy KP. Cerebral palsy lifetime care – four musculoskeletal conditions. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:S30-7. [ Links ]
44. Gough M. Muscle deformity in cerebral palsy: reduced use, overuse, or both? Dev Med Child Neurol. 2009;51(10):765-9. [ Links ]
45. Sala DA, Grant AD. Prognoses for ambulation in cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1995;37(11):1020-6. [ Links ]
46. Beckung E, Hagberg G, Uldall P, Cans C; Surveillance of Cerebral Palsy in Europe. Probability of walking in children with cerebral palsy in Europe. Pediatrics. 2008;121(1):e187-92. [ Links ]
47. Thorpe D. The role of fitness in health and disease: status of adults with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2009;51 Suppl 4:S52-8. [ Links ]
Correspondência para:
Rosane Luzia de Souza Morais
Rua José Amaral, 255/102, Bairro Ouro Preto
CEP 31320-020, Belo Horizonte (MG), Brasil
e-mail: rosanesmorais@gmail.com
Recebido: 21/06/2009 – Revisado: 16/11/2009 – Aceito: 21/12/2009
Autora:
Anna L. M. Margre; Maria G. L. Reis; Rosane L. S. Morais
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Diamantina (MG), Brasil
Espero que você tenha gostado desse texto. Se quiser receber mais textos como esse, entre no grupo de Whatsapp para receber textos e informações do nosso material.
Você pode ter um material mais aprofundado sobre esse tema. A Quero Conteúdo disponibiliza dezenas de materiais sobre Fisioterapia para estudantes e profissionais. Entre em contato com nossa consultora clicando na imagem abaixo!