Traumatismo raquimedular: saiba o que é essa lesão
Estima-se que ocorram cerca de 200 mil traumatismos raquimedulares por ano nos Estados Unidos. Cerca de dez mil pacientes morrem no local do trauma ou são vítimas fatais das complicações desse problema. A porção mais atingida de toda a coluna é a região cervical (pescoço), por ser a parte mais móvel da coluna.
Na verdade, cerca de 70% dos traumatismos ocorrem na região cervical, seguidos das regiões torácica (15%), tóraco-lombar (10%), lombar (4%) e sacra (1%). O lado mais triste das estatísticas se refere à faixa etária mais acometida por esse problema. A maior parte dos traumatismos acontece em indivíduos jovens entre 15 e 30 anos, sendo que os homens são de três a quatro vezes mais atingidos do que as mulheres.
O que é esse trauma
Por definição trauma ou traumatismo é toda e qualquer lesão de extensão, intensidade e gravidade variáveis, que pode ser produzida por agentes diversos (no nosso caso mais especificamente agentes físicos e não químicos), de forma intencional ou acidental. O trauma raquimedular é aquele que acomete a coluna vertebral e seu conteúdo: a medula espinhal e as raízes nervosas. O quadro pode variar desde uma simples cervicalgia (dor no pescoço) até um tetraplegia (paralisia dos quatro membros) e morte.
Significado do termo raquimedular
O termo raquimedular é uma fusão de duas palavras de origens distintas: raqui ou raque do grego ráchis significa coluna vertebral e medula do latim medulla significa, literalmente, o que está contido no meio ou miolo. Deve-se ressaltar que a medula aqui citada é a medula espinhal ou medula nervosa. Esta não deve ser confundida com medula óssea, que ficou popularmente conhecida pelo transplante de medula realizado no tratamento de alguns tipos de leucemias.
Não só os seres humanos, mas todos os vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) possuem coluna vertebral e medula espinhal. Na verdade a coluna vertebral é o eixo de sustentação desses seres vivos. Além disso, funciona como um arcabouço ósseo e serve de proteção para a medula espinhal. Comparativamente, a coluna vertebral está para a medula espinhal assim como o crânio está para o cérebro. A coluna vertebral dos seres humanos é composta por 32 vértebras - sete cervicais, 12 torácicas, cinco lombares, cinco sacras e três coccígeas .
A coluna se inicia logo abaixo do crânio e se estende até e entre os ossos da pelve (bacia), portanto qualquer trauma que acometa essa região constitui um traumatismo raquimedular.
Principais causas
Os traumatismos decorrentes de acidentes com veículos motorizados (incluindo motocicletas) são a causa mais freqüente de TRM (50%). A seguir, em ordem decrescente de freqüência temos quedas (20%), lesões esportivas (15%), agressões (aproximadamente 12%) e outras (3%). Com a introdução de medidas mais efetivas na prevenção de acidentes no trânsito, fabricação de carros mais seguros e principalmente conscientização da população, a cada dia temos observado uma menor incidência desse tipo de causa, em todo o mundo.
Nas lesões por queda, uma forma muito especial que deve ser enfatizada é o acidente por mergulho em águas rasas. Esse tipo de traumatismo é mais comum no verão e é um espécie grave de traumatismo porque atinge, geralmente, porções altas da coluna cervical. Nos Estados Unidos existe até uma campanha para combater esse tipo de acidente, chamada Feet first (literalmente "primeiro os pés!"). Realmente, se pessoas que se acidentaram tivessem mergulhado de pé, o mais grave que poderia ter ocorrido seria uma fratura nos pés ou nas pernas.
Crianças e idosos
Apesar de as vítimas mais freqüentes dos TRM estarem na faixa etária entre 15 e 30 anos, crianças e idosos possuem características bastante peculiares quando comparados com os adultos. A criança, por exemplo, possui uma cabeça mais pesada proporcionalmente em relação ao corpo (1/4 a 1/5), dependendo da idade quando comparada com os adultos (1/8). Além disso, a musculatura do pescoço ainda é pouco desenvolvida levando a um aumento fisiológico da mobilidade. Portanto, apesar de estar protegida, do ponto de vista estatístico, a coluna da criança é bastante frágil.
Já os idosos, por outro lado, possuem uma coluna que os médicos chamam de artrodesada (com as vértebras fundidas umas às outras). Isso que dizer que existe uma coluna onde com o envelhecimento, foi ocorrendo fisiologicamente calcificação dos ligamentos que unem as vértebras, tornando a coluna mais rígida como um todo. No entanto, com o envelhecimento, as paredes arteriais também se calcificam e o fluxo sangüíneo que ocorre dentro delas não é o mesmo quando comparado com o que acontece com as pessoas jovens.
Como é feito o diagnóstico
Nos casos de trauma fechado, ou seja, onde não houve nenhum tipo de lesão penetrante e o paciente não possui nenhum déficit neurológico, o diagnóstico dificilmente é estabelecido. Esse é um dado bastante importante, pois todo o indivíduo politraumatizado é um candidato a ter TRM até que se prove o contrário.
É muito importante saber nessa fase qual foi o mecanismo do trauma, isto é, como o indivíduo se machucou, como foi encontrado, se estava consciente, se era capaz de mobilizar os membros, se queixou de dor ou dormência, etc. Então, após uma história colhida de maneira correta, o exame neurológico detalhado deverá ser realizado.
Após o exame clínico, exames complementares deverão ser realizados. A radiografia simples da coluna, apesar de como o próprio nome diz ser simples e barata constitui um dos exames mais fundamentais para pacientes com TRM.
Outras alternativas são a tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM).
Riscos do traumatismo
Os riscos estão diretamente relacionados com o grau de extensão, intensidade e gravidade da lesão. Porém, nos TRM, existe um outro aspecto que é crucial em relação aos riscos. Quanto mais cranial (alta) for a lesão mais grave será o quadro neurológico, porque a medula espinhal é a continuação do nosso cérebro, e é dela que partem as raízes nervosas que vão dar motricidade e sensibilidade do nosso corpo (do pescoço para baixo).
Formas de tratamento
Diante de um trauma, o tratamento de indivíduos com TRM se inicia no local do acidente. A imobilização do pescoço e o transporte do paciente sobre pranchas rígidas devem ser sempre realizados. O agravamento da condição neurológica pode ocorrer se, no local do trauma, as medidas básicas de atendimento forem negligenciadas. Isso é chamado "segundo trauma". Na verdade, esta lesão foi decorrente da imperícia do tratamento, e poderia ter sido facilmente evitada.
Algumas medicações (como por exemplo os corticóides) têm sido usadas na fase aguda para tentar diminuir a piora do quadro neurológico. Na verdade essa medicação agiria como um anti-inflamatório contendo a cascata de eventos que ocorrem após o trauma sobre a medula espinhal.
O tratamento cirúrgico dos TRM é bastante específico, onde cada lesão necessita de um procedimento diferenciado. Atualmente apesar de todos os avanços da medicina, o tratamento cirúrgico se limita à tentativa de restauração da anatomia óssea da coluna vertebral, evitando a compressão do tecido nervoso. A medula espinhal deve estar livre de qualquer compressão que possa existir sobre ela. Materiais (placas, hastes, parafusos, etc) feitos a partir de ligas metálicas de última geração - por exemplo, titânio - são usados com o objetivo de promover estabilização do eixo de sustentação do corpo.
Possíveis seqüelas
A lesão que o TRM ocasiona sobre o tecido nervoso é, de forma geral, irreversível. O tecido neurológico não possui a capacidade de regeneração. Se uma célula nervosa morre, não irá surgir outra para substituí-la. Esse é o preço que o tecido nervoso pagou na evolução biológica das espécies por ser altamente especializado.
As seqüelas estão diretamente relacionadas com o nível do traumatismo. Um paciente com lesão cervical grave pode ter como seqüela a tetraplegia. Se a lesão for mais alta, acima da quarta vértebra cervical, o paciente pode perder a capacidade de respirar espontaneamente. Lesões torácicas e lombares acarretam como seqüelas: paraplegia e distúrbio no controle esfincteriano dos aparelhos urinário e digestivo.
Consultor: Dr. Igor de Castro, neurocirurgião, graduado pela Universidade Federal Fluminense, e fellow por dois anos do Professor M. G. Yasargil, do Arkansas
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