Motivação para tratamento do AVC


Um dos aspectos mais complexos em se tratando de derrame cerebral é a reabilitação dos pacientes. Devido ao fato de ser o cérebro um órgão cujas células não se reproduzem, as lesões causadas pelo derrame dificilmente são recuperadas, mas mesmo com tais cicatrizes, pode-se conseguir muitos avanços através do processo de reabilitação que tem sido cada vez mais estudado. Entretanto, para que o paciente utilize tal processo em sua íntegra, é imprescindível que ele esteja motivado. Há muito pouco conhecimento sobre o que vem a ser e como atuar sobre a motivação nesses pacientes. Muito tem sido especulado, mas estudos empíricos são ainda escassos. O conhecimento dos fatores determinantes de uma alta ou de uma baixa motivação abre um amplo caminho de intervenções terapêuticas. Tudo parece começar pela troca de informações entre os pacientes e os profissionais de saúde envolvidos no processo". 

Falta um Consenso

A motivação para se reabilitar diante de um acidente vascular cerebral (derrame cerebral) é considerada pelos profissionais de reabilitação como um importante determinante no desempenho do paciente. Entretanto, não há um consenso entre tais profissionais no que seria o verdadeiro significado da palavra "motivação". Também não há consenso na literatura médica sobre a natureza e os determinantes da motivação, havendo somente relatos de traços individuais relacionados com a motivação sem uma determinação empírica dos mesmos. 

Um estudo sobre o assunto foi realizado pelo Dr. Niall Maclean e colaboradores, do Departamento de Saúde Pública da Escola de Medicina St. Thomas, Universidade de Londres, Inglaterra. O objetivo do estudo foi explorar as atitudes e crenças de pacientes em reabilitação pós-derrame cerebral considerados com alta ou baixa motivação para reabilitação. Esse estudo foi publicado na revista médica British Journal of Medicine, deste ano e um resumo do mesmo será exposto no texto que se segue. 

O Que se Sabe Sobre o Assunto?

Poucos estudos até hoje, tentaram fazer uma análise pormenorizada dos fatores implicados na motivação de pacientes em programas de reabilitação, de uma maneira empírica. Em um estudo, o autor sugeriu que a motivação era aumentada quando os pacientes compartilhavam suas ideologias de reabilitação. Outros estudos demonstraram que tais pacientes recebiam uma maior atenção dos profissionais de saúde. Nenhum deles, no entanto, focalizou a análise da motivação nem explorou as atitudes e crenças com ela associadas. Caso a motivação afete os resultados da reabilitação, sua natureza e fatores causais devem ser compreendidos. 

Seleção e Entrevista

Foram selecionados dois grupos de pacientes pelos profissionais da unidade de derrame cerebral. Aqueles considerados como tendo uma alta motivação (14 pacientes) e aqueles com uma baixa motivação para reabilitação (8 pacientes).

As entrevistas foram feitas no leito dos pacientes numa média de seis semanas após o derrame, sendo gravadas e transcritas. Cada entrevistador cobriu os mesmos tópicos, apesar do paciente ser permitido transcorrer livremente pelos mesmos. Novos tópicos levantados pelos pacientes foram discutidos à medida que surgiam. Todas as entrevistas foram conduzidas e analisadas pelo mesmo pesquisador que sabia quais pacientes eram considerados de alta ou baixa motivação. Uma amostra aleatória de entrevistas foi analisada por outro pesquisador para que se pudesse checar a ausência de diferenças na forma em que os dois grupos de pacientes (alta e baixa motivação) foram entrevistados.

Tópicos Abordados na Entrevista

- Confiança em realizar uma boa recuperação.
- Visão sobre o relacionamento com os profissionais.
- Idéias sobre fatores importantes na recuperação.
- Idéias sobre o papel do paciente na reabilitação.
- Idéias sobre a natureza e objetivo da reabilitação.
- Sentimentos sobre que tipo de vida era desejada após o derrame. 

Crenças e Pontos de Vista dos Pacientes

O papel da reabilitação e o papel dos pacientes na reabilitação


Enquanto todos os pacientes acreditavam ser a reabilitação importante para sua recuperação, a maioria daqueles com alta motivação e uma minoria dos com baixa motivação acreditavam ter a reabilitação o papel principal na recuperação. Muitos pacientes acreditavam ter um papel ativo na reabilitação, somente aqueles com baixa motivação acreditavam que a simples espera levava à recuperação. 

Compreendendo a Reabilitação

Poucos pacientes com alta motivação enfatizaram a importância de se aprender os exercícios de acordo com os fisioterapeutas. Somente os pacientes com baixa motivação relataram não compreender a natureza dos exercícios, ou seja, o processo terapêutico para se chegar no objetivo final (na maioria dos casos - andar). 

O papel das enfermeiras na reabilitação

Muitos dos pacientes com alta motivação e poucos com baixa motivação, espontaneamente manifestaram sua compreensão sobre o papel das enfermeiras da unidade de derrame cerebral no processo de reabilitação. "Muitas enfermeiras são cruéis para serem gentis - 'Lá está a bacia, aqui suas roupas, mãos à obra'...Eu acho isso essencial" relatou um paciente com alta motivação. Alguns desses pacientes criticaram algumas enfermeiras por não estarem tão envolvidas na reabilitação. Por outro lado, alguns pacientes com baixa motivação expressaram frustração pelo fato das enfermeiras não fazerem as coisas para eles. 

Independência como um objetivo da reabilitação

Muitos pacientes com alta motivação demonstraram preocupação em depender dos outros após a alta hospitalar. Muitos desses pacientes consideravam como progresso na reabilitação, o desenvolvimento de independência nas atividades do dia-a-dia. Alguns pacientes com baixa motivação também tinham a independência como objetivo, entretanto, poucos relacionaram tal objetivo com o progresso na reabilitação.

Influência nas Crenças dos Pacientes

Superproteção

Alguns pacientes relataram que a superproteção da família ou enfermeiras os levava a se sentirem estúpidos ou incapacitados. 

Comparação com outros pacientes

Um paciente tomou como exemplo a atitude de autoconfiança de um outro paciente que conseguiu se recuperar mais rapidamente. Outros pacientes sentiram-se deprimidos por não estarem conseguindo se recuperar da mesma forma que os outros. 

Informações dos profissionais

O papel de provedor de informações, dos profissionais de saúde, foi enfatizado por muitos pacientes com alta motivação. Esses pacientes expressaram a importância dessas informações como forma de desiludi-los de pensamentos mágicos como drogas miraculosas e colocá-los em foco com o seu papel ativo no processo de reabilitação. Uma vez informados de todo o processo, os pacientes conseguem aceitar com maior perseverança toda a dor e angústia presentes. As informações foram importantes para muitos pacientes, como forma deles mesmos reconhecerem seu progresso, o que aumentava a motivação. 

A necessidade de informação e suporte

Muitos pacientes com baixa motivação relataram ser suas ansiedades decorrentes da falta de informação e suporte dos profissionais. A falta de compreensão dos exercícios leva a medos e receios que os impedem de se manter pessoalmente envolvidos no processo. Outro problema é a falta de informações sobre como se portar em casa, um paciente relatou "esses médicos não te dão muitas informações...só dizem 'ei! você está indo para casa' e pronto". Alguns pacientes não conseguiram falar a respeito de suas insatisfações sobre as decisões dos profissionais com receio de serem rejeitados pelos mesmos. 

Mensagens incoerentes

Alguns pacientes com baixa motivação criticaram a incongruência de comportamentos entre os fisioterapeutas e as enfermeiras. Por exemplo, para um paciente foi receitado para que fosse ao ginásio de exercícios e quando lá chegou, foi retornado para o leito pelas enfermeiras. Outra reclamação foi a de que mesmo fazendo exercícios no ginásio, quando se retorna para a enfermaria, fica-se deitado na cama. 

Desejo para sair do hospital

Quase todos os pacientes desejavam sair do hospital o mais rápido possível, alguns utilizavam esse desejo como forma de motivá-los ainda mais no processo de reabilitação. Muitos ficaram ressentidos com o clima institucional do hospital e outros afirmaram ser o ambiente hospitalar depressivo e desestimulante.

Problemas Desse Estudo

Aqueles pacientes com incapacidades lingüísticas e cognitivas e pacientes diagnosticados com desordens que diminuem sua motivação (depressão), não foram entrevistados, sendo tais pacientes um grande grupo dentro daqueles com derrame cerebral. 

Como os pacientes foram identificados como tendo alta ou baixa motivação, pode ter ocorrido uma seleção desses grupos de acordo com uma classificação profissional e não de acordo com a realidade de fato. Entretanto não há um consenso sobre o que venha a ser realmente a motivação. O uso do julgamento clínico para discernir esses dois grupos de pacientes parece ser uma abordagem razoável para que se comece a investigar empiricamente a motivação. 

Comentários Finais

Esse foi um estudo classificado como qualitativo. Diferente dos estudos quantitativos, onde são estudadas um grande número de pessoas, para que se possa o mais objetivamente possível, descobrir o que se está pesquisando, o estudo qualitativo permite que os entrevistados falem mais abertamente sobre as questões envolvidas na pesquisa. Os resultados mostram idéias mais subjetivas, mas que são tão importantes quanto às taxas e porcentagens conseguidas nos estudos quantitativos. 

Assim sendo esse estudo teve as seguintes conclusões. Pacientes identificados como sendo de alta motivação para a reabilitação se mostraram mais engajados com os objetivos e métodos da reabilitação assim como conseguiram compreender melhor todo o processo. 

Informações sobre a reabilitação, comparações favoráveis com outros pacientes e o desejo de sair do hospital foram determinantes importantes de motivação. Por outro lado, a superproteção da família e profissionais, a falta de informação, a ocorrência de mensagens incoerentes sobre o processo de reabilitação e as comparações desfavoráveis com outros pacientes foram determinantes negativos da motivação. 

O Que Fazer Diante Disso?

Os profissionais de reabilitação têm que estar cônscios da forma como seu comportamento altera a motivação. A comunicação e a provisão de informações sobre o processo de reabilitação juntamente com o conhecimento dos fatores subjetivos de cada paciente sobre o mesmo devem ser alvo de amplas reformulações, para que a motivação possa ser aumentada através de uma troca de informações mais eficiente. Obviamente, o termo "troca de informações" implica num processo "mútuo" e nunca, "unilateral".

Em fim, a consciência clínica da forma como vários fatores que estão além do controle dos pacientes afetam sua motivação, pode reduzir a tentação de se colocar toda a responsabilidade de motivação sobre os pacientes. 

Fonte: Boa Saúde

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