O Papel da Plasticidade Cerebral na Fisioterapia


O Que É Plasticidade Cerebral?

Plasticidade cerebral é a denominação das capacidades adaptativas do SNC – sua habilidade para modificar sua organização estrutural própria e funcionamento. É a propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos.

Este fato é melhor compreendido através do conhecimento do neurônio, da natureza das suas conexões sinápticas e da organização das áreas cerebrais. A cada nova experiência do indivíduo, portanto, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis.

Existem variáveis importantes no sentido de entender o potencial para a recuperação funcional após lesão. São elas: idade do indivíduo, local e tempo da lesão e a natureza da mesma.

Como Se Dá a Plasticidade Cerebral?

Podemos encontrar várias teorias sobre como se dá a recuperação das funções perdidas em uma lesão cerebral: ela poderia ser mediada por partes adjacentes de tecido nervoso que não foram lesadas, e o efeito da lesão dependeria mais da quantidade de tecido poupado do que da localização da lesão; pela alteração qualitativa da função de uma via nervosa íntegra controlando uma função que antes não era sua; através de estratégias motoras diferentes para realizar uma atividade que esteja perdida, sendo o movimento recuperado diferente do original embora o resultado final seja o mesmo.

Estudos com neuro-imagens de indivíduos com AVC, indicaram modelos de ativação pós-lesão que sugerem reorganização funcional. Foram feitos a partir de lesões focais corticais experimentais, que induziram mudanças no córtex adjacente e no hemisfério contralateral. Investigações morfológicas mostraram que este tipo de plasticidade é mediado por proliferação de sinapses e brotamento axonal (apenas poucos milímetros).

As alterações celulares que acompanham estas teorias são:

Brotamento: é definido como um novo crescimento a partir de axônios. Envolve a participação de vários fatores celulares e químicos:

  1. a resposta do corpo celular e a formação de novos brotos;
  2. alongamento dos novos brotos;
  3. cessação do alongamento axonal e sinaptogênese.
Existem duas formas de brotamento neural no SNC: regeneração, que diz respeito a um novo crescimento em neurônios lesados, e o brotamento colateral, um novo crescimento em neurônios ilesos adjacentes ao tecido neural destruído.  Essas alterações sinápticas difusas podem ser o mecanismo fisiológico subjacente a uma reaprendizagem ou processo compensatório.


Brotamento colateral em um paciente com síndrome amiotrófica
lateral, mostra um mesmo neurônio inervando duas placas motoras

 O brotamento é caracterizado por uma fase inicial rápida, seguida de outra muito mais lenta que dura meses. Brotamentos a partir de axônios preservados aparecem e se propagam sobre os campos próximos, entre 4 a 5 dias após a lesão. Outra característica do fenômeno é sua seletividade tanto em termos do local, quanto do tipo de fibras que sofrem o processo.

Ativação de Sinapses Latentes: quando um estímulo importante às células nervosas é destruído, sinapses residuais ou dormentes previamente ineficazes podem se tornar eficientes.

Supersensitividade de Desnervação: quando ocorre desnervação a célula pós sináptica torna-se quimicamente supersensível. Dois possíveis mecanismos são responsáveis pelo fenômeno:

  1. desvio na supersensitividade (pré sináptica) causando acúmulo de acetilcolina na fenda sináptica;
  2. alterações na atividade elétrica das membranas .

Estas formas de regeneração no SNC são crucialmente dependentes do ambiente tissular no qual os novos axônios estão crescendo. Eles podem não conseguir estabelecer conexões sinápticas apropriadas, devido aos fatores tróficos, condições desfavoráveis de substratos extracelulares, barreiras mecânicas, como de cicatrizes gliais densas, ou outros mecanismos inibitórios.

As áreas motoras do SNC demonstram os princípios do brotamento e da sinaptogênese reativa. O brotamento colateral já foi identificado no córtex, no núcleo vermelho e outras regiões cerebrais, sugerindo que este é um fenômeno generalizado. Supersensitividade de desnervação, por outro lado, já foi demonstrada no núcleo caudado. A base das mudanças reorganizacionais é a presença de conexões intracorticais que permitem interações variáveis entre neurônios no córtex motor primário .

 Outro mecanismo ainda em fase de testes é o de transplante de células. O uso do transplante, combinado com um treinamento adequado,  demonstra que pode haver recuperação através deste associado com programas de reabilitação, com melhora na habilidade motora .

Fisioterapia e Plasticidade Cerebral

 Até os anos 50, aproximadamente, existia a idéia entre os clínicos que a falta de capacidade dos neurônios se dividirem supunha a impossibilidade de se fazer algo quando as conexões e neurônios eram perdidos em conseqüência da lesão cerebral. A repercussão direta desse conceito era a inércia terapêutica, esperando que a natureza fizesse algo para a recuperação espontânea das funções danificadas.

 Um paciente que experimenta os fenômenos da recuperação  após lesão cerebral possui um SNC anormal ou atípico, não só em termos das disfunções alteradas ou perdidas, mas também em termos de conexões sinápticas, circuitos e vias destruídas ou modificadas, devido à reorganização por que passa o SNC. Esta reorganização é também responsável pelas modificações que são observadas clinicamente no sistema neuromuscular dos pacientes. Por esses meios, diz-se que o indivíduo pode reaprender atividades desenvolvidas por ele previamente de forma  espontânea e harmoniosa. Porém, este processo é lento e gradual, devendo ser valorizados os pequenos progressos de cada dia.

 A reabilitação do cérebro lesado pode promover reconexão de circuitos neuronais lesados. Quando há uma pequena perda de conectividade, tende a uma recuperação autônoma, enquanto uma grande perda terá perda permanente da função. Também existem lesões potencialmente recuperáveis, mas que para tanto necessitam de objetivos precisos de tratamento, mantendo níveis adequados de estímulos facilitadores e inibidores.

 As mudanças organizacionais dependem da localização da lesão e são encontrados em ambos os hemisférios cerebrais, dependem de áreas lesadas e íntegras pré-existentes, processamento de redes difundidas e organizadas sem a formação de novos centros.

 O conhecimento dos mecanismos celulares e funcionais dos fenômenos da plasticidade tanto no SNC como no SNP, contribui para o esclarecimento das causas dos desequilíbrios cinesiopatológicos, no diagnóstico das perdas da independência funcional dos pacientes (objetivo fundamental da avaliação fisioterapêutica). Além disso, tem a função de nortear o programa de intervenção terapêutica a ser estabelecido. Isso contribui para o estabelecimento de limites, duração da intervenção, ou seleção de métodos e técnicas que sejam mais apropriadas na facilitação da recuperação funcional normal do sistema nervoso após lesões que o acometem .

 De acordo com alguns métodos de tratamento fisioterapêutico, o SNC é um órgão de reação ao invés de ação, e reage aos estímulos que para ele convergem  a partir de fora e de dentro do corpo. Portanto, é responsabilidade do terapeuta selecionar métodos que sejam mais eficientes para a necessidade de cada paciente. Uma variedade de combinações de procedimentos terapêuticos para ajudar o indivíduo a aprender ou reaprender o padrão de resposta normal. Além disso, esta abordagem dá ao profissional uma escolha entre vários procedimentos e promove um ambiente de aprendizado que é flexível, dinâmico e interessante.

  Espera-se principalmente dos terapeutas que trabalham com adultos com lesões cerebrais que contribuam com seu talento para facilitar a aquisição e refinamento de habilidades de manipulação de membros isolados, habilidades de locomoção e movimentos posturais, todas elas englobando o favorecimento de experiências sensório-motoras, prevenção e minimização de deformidades, integração de aspectos cognitivos e comportamentais do aprendizado motor, e educação do indivíduo, família e outros profissionais da saúde.

  A recuperação da força muscular e o aumento na habilidade funcional ocorrem através de vários processos fisiológicos. Os neurônios recuperados desenvolvem brotamentos axonais para reinervar fibras musculares órfãs. Um outro processo provê um aumento na habilidade funcional e um aumento aparente na força através do aprendizado neuromuscular enquanto que a prática de um exercício ou uma atividade leva a uma melhora nas habilidades e desempenho sem necessidade de aumento da força muscular.

 Os ganhos funcionais iniciais após a lesão são atribuídos à redução do edema cerebral, absorção de tecido lesado e melhora do fluxo vascular local (circulação de luxo).
 Como o sistema nervoso em desenvolvimento é mais plástico que o sistema nervoso do adulto, uma lesão em uma criança de 8 anos de idade é geralmente caracterizado por boa recuperação de função. Contudo, uma lesão aos 80 anos de idade pode ser mais devastadora como resultado de uma recuperação funcional pior. Segundo, quanto menos completa a lesão, maior a probabilidade que ocorra uma recuperação significativa. Terceiro, a lesão nas vias motoras ou sensoriais primárias é mais provável resultar em maior déficit funcional que o dano a outras áreas .
  Atualmente, pesquisas estão comprovando que a atuação da fisioterapia, através de estímulos aos padrões normais de movimento e inibição dos padrões anormais, provoca um aumento e aceleração no processo de recuperação funcional cerebral. Em um estudo  realizado em pacientes com AVC crônico conclui-se que houve um aumento da representação motora cortical antes reduzida, graças a um efetivo programa de reabilitação que induzia ao movimento.

  A atuação correta e eficaz da equipe de reabilitação na estimulação da plasticidade é de fundamental importância para a recuperação máxima da função motora do indivíduo. Isso implica na escolha certa do tratamento e na intensidade do mesmo no período de maior recuperação da área lesada e sua atividade funcional.

Os Autores

Carolina Luna - Residente em Fisioterapia em Terapia Intensiva - UERJ) Email:carolinaluna@yahoo.com
Luciana Baltazar Dias - Especialista em Fisioterapia Motora Hospitalar e Ambulatorial - Área Aplicada a Ortopedia e Traumatologia - UNIFESP-EPM)
Suhaila Mahmoud Smaili Santos - Especialista em Fisioterapia Neurológica - UEL)
Ligia Christina Borsato Guimarães Nunes - Mestranda em Engenharia Biomédica  - UNICAMP.


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